[pós]-Moderna-idade

Dividendos. Ilustração de Jason Lima e Silva, 2022. Caneta nanquim e caneta gel branca. Papel casca de ovo

O mundo é moderno! bradam capitalistas

não! é pós-moderno! insistem intelectuais

é hodierno! confirmam pedantes

tudo mudou!

o futuro chegou!

Engravatados-que-gastam-mais-do-que-um-salário- mínimo-num-almoço declaram:

trabalhadores-que-recebem-um-salário-mínimo desejam dez minutos para engolir suas marmitas enquanto operam máquinas.

tempo é dinheiro!

o tempo mudou!

o corpo mudou!

Micro-ondas aquecem comidas congeladas na velocidade da luz

nossos avós não tiveram esse privilégio

dez minutos de almoço é eternidade para quem se alimenta de pílulas.

Férias pra quê?

o ócio é a oficina do diabo

as crianças em casa atormentam

incomodam

querem brincar.

Registro pra quê?

não somos burocratas

queremos liberdade e direito de ir e vir.

Aposentadoria pra quê?

não somos velhos

temos uma vida produtiva e pró-ativa pela frente

com botox, silicone, lipoaspiração e válvula no coração.

Não somos empregados!

somos empreendedores

cuidamos de nossas dores com pílulas de felicidade

aderimos à plataforma que quisermos

nos endividamos com o banco que quisermos

votamos no fantoche que escolhermos

falamos o que quisermos [nas redes]

seguimos para onde nosso g.p.s. apontar

estampamos máscaras de felicidade com filtros sofisticados

somos donos de nossas vidas

escolhemos nossas covas

sem mudar regras, nem mapas

sem romper as estruturas

da [pós]moderna-barbárie.

Cyntia Silva

Poema publicado em Texturas 7, julho 2022.

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