Aluno: Ricardo Faion - 2015-1
"Escrever é um desafio! Mais do que colocar palavras no papel, trata-se de transmitir sentimentos. Dessa maneira a Oficina da Palavra me ajudou, não apenas a escrever, e sim, transmitir." - Ricardo Faion - escritor_______________________________________
O QUE SERÁ, QUE SERÁ?
Já tinha sido muito frequentado. Conhecera diversas pessoas; pessoas importantes, pessoas que amaram, pessoas que se desentenderam, pessoas que se divertiram, pessoas que se apaixonaram, por apenas um instante. Em seus tempos áureos, conhecera artistas, dançarinos, escritores, músicos. Seus lustres viram bailes, suas janelas esboçaram pinturas, seu assoalho recepcionou os pés dos mais variados dançarinos; de salão, de jazz, de balé, de tango, entre tantos outros. Ouve um tempo em que uma bailarina se apaixonou por aquele piso; pisava-o intensamente, saltava, esmagava, atordoava o pobre assoalho, mas ele sorria, teria sido feito para ela, para sua dança. Se as paredes têm ouvidos como dizem; elas escutaram o melhor da Bossa Nova. Passaram por aqueles ouvidos as melodias entoadas pelo próprio João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, entre outros dos mais célebres músicos da época. Emseus tempos áureos, as paredes eram douradas; Não o dourado do ouro ou aquele amarelo queimado que os artistas desprezam, era o dourado da pele, o dourado do pecado. Pecado santo e perdoado, cometido pelos verdadeiros amantes e amados; tempo das festas e dos grandes bailes. Em outra época e em outro local, perguntariam se a casa não era propriedade do Sr. Gatsby. Infelizmente não, a região nunca conhecera tal senhor.Com o passar do tempo, a bailarina casou-se com o assoalho e o casamento só pôde ser dentro da casa. Seria crueldade tirar o assoalho da casa para ir à cerimônia. O dia, não viu baile mais bonito no mundo. A casa se viu vestida em traje de gala. Pelas portas os tecidos brancos que a enfeitavam mostravam ao transeunte que entrava em um antro de pureza e se realizaria uma plena exibição do amor. O fato não era diferente do anunciado, o amor se exibia por todos os cantos; não que em outras vezes com outros enfeites ele também não o fez, mas das outras, ainda se escondia por um canto ou outro, desta não. Desta, apenas se exibia. As pilastras amavam, as janelas, os quadros, as luminárias, as lamparinas e todo aparato de iluminação, também as mesas, cadeiras e móveis amavam, sem contar as paredes que se tornaram rubras, cor do amor e da vergonha. Porém quem amava mais era o próprio. Era o assoalho, que se viuno maior momento de sua vida, nunca comportara tanta gente em cima dele e mesmo assim se mostrava feliz. O ponto alto da festa foi quando um Poeta de renome ilustre, alguns devem conhecer, porém não me recordo do seu nome. Esse declamou um poema chamado, nada mais nada menos, do que “O assoalho e a bailarina”. Claro, poema feito especialmente para a ocasião. Imagine como todos os ternos e vestidos também amaram neste momento.Pena que a casa não viu o casamento durar muito tempo. Logo a bailarina se entediou de dançar sobre o assoalho, não encontrava mais a graça de saltar, se equilibrar, empurrar, forçar e esmurrar aquele chão duro. Por vezes, ele rangia e aquilo não a apaixonava mais.Acabou por amar outro tipo de piso, um mais instável o qual provocava mais o seu desequilíbrio e era mais difícil de contê-lo. Sentiu pena do pobre assoalho que ficará para trás, mas sentia mais medo de desistir da sua arte de bailar se continuasse com ele. O pobre assoalho ficara arrasado, não queria mais saber de festas. Nada de gente o pisoteando e magoando como querem, decidiu por restringir o acesso. De agora em diante, apenas pessoas autorizadas. O telhado que era alto, baixou; a casa não queria mais ficar perto do céu; incomodava-lhe a vista do horizonte; assim poderia ficar mais fixada; próxima ao solo. A casa não era mais casa, era um. Tratava agora apenas de saber sobre contas, contratos, documentos originais ou autenticados; Gostava agora de arquivar, as paredes se viram pintadas de cores terrosas quando não pálidas; Os móveis que eram alegres e convidativos agora trocados pelos sérios e nada aconchegantes. Era unânime todos moveis velhos, não antigos com ar de clássicos e sim velhos sem ar nenhum. Os arquivos dividiam espaço com as paredes que outrora podiam ver
tudo que acontecia, agora disputavam piscadelas entre gavetas e armários. Três pessoas eram autorizadas a circular pela casa, todos trabalhadores. Muitas vezes, até mesmo os clientes, tinham de esperar no lado de fora; não era suportado ao assoalho sentir ser muito pisoteado, pois ele achava que um baile iria começar. As janelas não viam mais o lado de fora e o sol nem se importava em deixar de iluminar aquela casa. Não diremos que fora de todo triste, por vezes alguém conseguia pintar as paredes de outra cor, mesmo assim encontravam-se soterradas em contar, somar, dividir, multiplicar e subtrair, por fim arquivar. Nada durou. E as paredes logo se Se o sol não aparecia, não era o mesmo que fazia a água; parecia querer ainda mais chover sobre a casa. Se a chuva era passageira, em cima da casa aumentava, se era chuva, virava aguaceiro, aguaceiro virava toró e toró enchente. Com o tempo os móveis não se adaptaram àquelas condições. Quiseram eles ir embora e foram, sem cadeira para sentar, sofá para deitar; Assim se foram os homens também, um pedaço aqui, uma parte ali, o telhado também se esvaía; é verdade que não queria, tinha visto tantas coisas belas afinal; o que era apenas um momento de turbulência? Mas não conseguiu se sustentar por inteiro. As paredes esbranquiçaram, mofaram, em algumas partes até cederam. Os únicos que continuaram foram os arquivos, afinal estavam já arquivados. Quando estive lá, eu vi. Vi a cafeteira pingar por certo intervalo de tempo, mesmo sem água, como se quisesse pronunciar sua solidão. Se não fizesse nada, apenas teria o nada, porém insistia em pingar, em dizer, ainda estou aqui. Vi o arquivo morto, inútil, sem função. A geladeira com baratas, os biscoitos com ratos, a infiltração que invadia a casa, os musgos nos cantos, uma pequena planta que brotava em meio à parede, utilizando apenas um esguio feixe de luz que o sol autorizou a entrada. Não tenho certeza se a casa ainda se lembrava daqueles tempos de glória, talvez alguma ranhura, marca ou cicatriz no assoalho sobrava de recordação. Alguma pilastra ou parede continha alguma memória. Mas agora já estava morta. Encontraria o seu túmulo. Seria enterrada. Demolida. No lugar iriam construir um prédio, um edifício ou um shopping, mas não será mais um homem. O que será, que será? Dissera um dia Chico Buarque para as paredes da casa.
Ricardo Faion, 2015-1 - escritor