[pós]-Moderna-idade
O mundo é moderno! bradam capitalistas
não! é pós-moderno! insistem intelectuais
é hodierno! confirmam pedantes
tudo mudou!
o futuro chegou!
Engravatados-que-gastam-mais-do-que-um-salário- mínimo-num-almoço declaram:
trabalhadores-que-recebem-um-salário-mínimo desejam dez minutos para engolir suas marmitas enquanto operam máquinas.
tempo é dinheiro!
o tempo mudou!
o corpo mudou!
Micro-ondas aquecem comidas congeladas na velocidade da luz
nossos avós não tiveram esse privilégio
dez minutos de almoço é eternidade para quem se alimenta de pílulas.
Férias pra quê?
o ócio é a oficina do diabo
as crianças em casa atormentam
incomodam
querem brincar.
Registro pra quê?
não somos burocratas
queremos liberdade e direito de ir e vir.
Aposentadoria pra quê?
não somos velhos
temos uma vida produtiva e pró-ativa pela frente
com botox, silicone, lipoaspiração e válvula no coração.
Não somos empregados!
somos empreendedores
cuidamos de nossas dores com pílulas de felicidade
aderimos à plataforma que quisermos
nos endividamos com o banco que quisermos
votamos no fantoche que escolhermos
falamos o que quisermos [nas redes]
seguimos para onde nosso g.p.s. apontar
estampamos máscaras de felicidade com filtros sofisticados
somos donos de nossas vidas
escolhemos nossas covas
sem mudar regras, nem mapas
sem romper as estruturas
da [pós]moderna-barbárie.
Cyntia Silva
Poema publicado em Texturas 7, julho 2022.